"É preciso preparar-se para mais elevados conhecimentos, só neste pensamento pode a nova consciência aproximar-se da humanidade"

(Mestre El-Morya)


terça-feira, outubro 22, 2013

Especismo e Vegetarianismo

Levei um bom tempo para decidir escrever um artigo com esse tema. Aliás, eu já comecei alguns, mas depois desisti. Esse tema é tão ingrato e as pessoas têm seu pensamento tão limitado e preconceituoso quanto a ele, que só sendo grosseiro para tentar derrubá-las do seu pedestal de ignorância, o que é muito desagradável e desalentador. Quase posso apostar que um homossexual é mais bem aceito hoje na sociedade do que um vegano, só que ser vegano nem deveria ser considerado uma opção, não só pelo fato de um vegano geralmente ser muito mais preocupado com o respeito à vida, mas principalmente, pelo fato do veganismo ser uma forma de combater um preconceito totalmente arraigado e incrustrado em nossa sociedade, o especismo. Para quem não sabe, especismo é um tipo de discriminação com o mesmo teor que o racismo ou sexismo, onde se atribui um valor menor à vida ou à consciência somente pelo fato daquele ser vivo ser considerado um animal inferior, ou seja, da mesma forma que tem gente que acha que negros e mulheres são inferiores, o senso comum atribui inferioridade a todos os demais animais não humanos.

A consequência de qualquer discriminação é a escravidão, em maior ou menor grau, seja ela evidente ou velada, esta segunda, aliás, na maior parte das vezes. Eu qualifico a discriminação em geral como um vício, pois ela está presente na nossa existência de uma forma praticamente compulsiva, seja por conta do medo, seja por conta da vaidade. Existe um maldito impulso no ser humano em querer se destacar e, com isso, poder ser qualificado como melhor que outros, sendo que, ser melhor em geral significa poder ser servido por outros seres considerados inferiores de alguma forma. Esse instinto é tão incivilizado e selvagem que inúmeras filosofias pregam a humildade e o serviço como caminho para se atingir a iluminação, até porque, a única forma de se ter um mundo verdadeiramente equilibrado é cada um se preocupar em prestar um serviço ao seu próximo e não o contrário. Isso é tão óbvio, mas precisaram vir inúmeros mestres nesse planeta para repetir a mesma coisa, pois ninguém parece querer ouvir; essa sim é “uma verdade inconveniente.” Mesmo sabendo que o resultado previsível do vício da discriminação é algum tipo de escravidão, flagelo ou injustiça, nós cedemos a ele e nossa história continua absolutamente repleta exemplos disso, mesmo assim, continuamos a repeti-los, perpetuando-os ao longo dos séculos.

De fato, ainda somos muito incivilizados. Se pensarmos que a escravidão só foi objeto de questionamento na sociedade há pouco mais de 150 anos, vemos o quanto isso está perto de nós. Note que estou dizendo “objeto de questionamento”, pois escravidão ainda é um fato em diversos locais em pleno século XXI. Mais triste ainda é ter que dizer que ela só foi questionada pelo fato de ser economicamente pior do que o modelo de trabalho assalariado que a sucedeu, ou seja, uma completa vergonha para a consciência humana, abolir uma condição execrável somente por conta dos metais. Podemos ir menos longe ainda se considerarmos a discriminação de gênero, onde a mulher é considerada inferior. Mesmo no ocidente, a valorização real da mulher é uma coisa que tem algumas poucas décadas e, mesmo assim, ainda há diversos exemplos onde essa condição é muito mais um ato de tolerar do que reconhecer a igualdade. Avançando para o especismo, aí então ninguém nem sabe o que é e nem que é frontalmente responsável por ele a cada filezinho que ingere. Quando falamos no tema, as pessoas tentam se justificar dizendo que a natureza funciona desta forma. De fato, não funciona; não há matadouros na natureza, não há depósitos de animais em condições deploráveis, não há desrespeito à vida na natureza. Nela os seres caçam, não escravizam, e mesmo assim, nem todos, muitos deles fazem parte do processo de cooperação entre as espécies, havendo diversos tipos de dietas, sendo a maioria delas cooperativa, ou seja, o processo alimentar de muitas espécies está relacionado à dispersão de sementes e ao fortalecimento do habitat natural, ou biomas. Mesmo a predação natural pode, em algum nível, ser considerada uma forma de cooperação, como um tipo de controle populacional ou controle da melhor genética; processo violento e selvagem, é lógico, mas muito menos selvagem do que escravizar e expor a uma condição degradante como acontece nos matadouros e pesqueiros. Mas seguindo nessa linha, se for para sermos “naturais”, então deveríamos matar, ou deixar ao deus dará, os membros da espécie humana mais fracos, como os portadores de necessidades especiais e crianças doentias, além de nos tornarmos caçadores do nosso próprio alimento, aí sim, podemos fazer esse paralelo. Eu acredito, porém, que nós já conseguimos avançar um pouco nos princípios de respeito à vida e dignidade.

Vamos seguir um pouco mais nessa noção de “natural”. Você já teve a oportunidade de analisar a anatomia humana? Eu já e, pelo que vi, nós temos uma anatomia que se aproxima muito mais dos herbívoros do que qualquer outra. Nem aos frugívoros nós estamos tão perto, ficamos mais para herbívoros mesmo. Aí tem gente que vai perguntar: mas não somos onívoros? Hábitos alimentares e anatomia são coisas diferentes. O fato de termos hábitos alimentares onívoros não implica necessariamente que nossa anatomia também o seja. É fato observável que nossa anatomia está mais preparada para uma alimentação baseada em plantas. E quanto à fisiologia? Neste quesito, há interpretações. Nossa flora intestinal parece ter sido adaptada a uma alimentação que contenha carnes, mas é uma adaptação, não funciona do mesmo jeito que os animais com anatomia carnívora completa. Por exemplo, temos baixíssima tolerância à putrefação da carne em comparação com eles, além de dificuldades no consumo in natura, por isso que temos que cozinhar esse tipo de alimento, ao contrário das plantas que podem ser comidas cruas com facilidade. Note que cozinhar alguma coisa absolutamente não é natural, não conheço nenhuma espécie que faz isso além do ser humano. Uma das formas de enxergar esse aspecto é entender que, após milênios de alimentação carnívora, o organismo já teria produzido alterações para que pudéssemos assimilar a dieta forçada. Mas essas alterações foram suficientes para que isso se tornasse natural? A medicina sugere que não. Os estudos mais modernos apontam para diversas consequências no consumo de carnes, a grande maioria impactando no sistema orgânico como um todo (não vou detalhar aqui, mas tem muita coisa que pode ser pesquisada por aí). Isso até já aparece na grande mídia, mesmo que ela não seja lá uma boa referência. Porém, há um outro problema aqui, bastante complexo: pelo fato de estarmos mantendo essa dieta por longo tempo, o organismo começou a “viciar” em determinadas substâncias, deixando de produzir outras (veja como isso funciona no artigo Inércia Orgânica neste mesmo blog) e, como diz a máxima popular, o que não se usa, atrofia, ou seja, o organismo está perdendo a capacidade de produzir determinadas substâncias e isso está criando problemas, pois estabelece dependência de reposição de determinados nutrientes que antes o organismo não necessitava. Reverter isso é lento e, dependendo da idade ou da estirpe, não é nem viável em uma única geração.

Se adentrarmos no aspecto ecológico, o consumo industrial de carnes é notadamente insustentável, altamente nocivo ao meio ambiente (há um bom resumo disso na Wikipédia). Vamos transitar por alguns dos problemas que essa prática causa. Primeiramente, temos a pecuária que precisa cada vez mais de grandes pastos para sustentar a crescente demanda dos rebanhos. Para criar pastos, é necessário avançar sobre plantações ou derrubar florestas. Além disso, é necessário também ração e essa ração é obtida com grandes áreas de monocultura. Para plantar monoculturas, precisa derrubar florestas. Hoje mais de 40% do que é plantado em grãos no mundo é para sustentar a produção de carnes. Em alguns países isso é muito maior, mais de 80% (há uma boa pesquisa da Unicamp sobre isso, veja aqui; ou, se preferir, um resumo aqui). Veja que desperdício de energia, você derruba uma floresta, gasta imensamente com uma monocultura para gerar ração, sendo que, essa ração é apenas parte absorvida pelo rebanho (note que o processo digestivo é muito seletivo e de rendimento baixo, ou seja, uma boa parte do que é consumido vira dejetos). Além disso, apenas parte do que é absorvido pelos animais vira alimento para o ser humano, muita coisa é descartada. Fazendo as contas, se a humanidade se tornasse vegetariana hoje, da noite para o dia, seria possível alimentar com folga cerca de 11 bilhões de pessoas, considerando a produção direta de alimentos, ou seja, pegando tudo o que se planta hoje e entregando diretamente para a população (dependendo da fonte, esse número varia, mas é sempre superior à população mundial). Considerando o que temos hoje, há um déficit de, pelo menos, 2,5 bilhões de pessoas, que passam fome, ou seja, o rendimento do modelo alimentar atual é cerca de 45% do que poderia ser se a dieta fosse vegana, sem falar nos impactos em termos de poluição ambiental que isso tudo gera.

Vamos agora tangenciar um pouco o aspecto psíquico do tema e, se você já tentou questionar de todas as formas os aspectos científicos apresentados acima, duvido até que vá querer ler sobre os aspectos metafísicos; mas aí, sou obrigado a dizer que você gosta de ser cego, fazer o quê. Nada contra os cegos, mas eu tenho absoluta certeza de que, apesar de qualquer cego poder ser uma pessoa completamente capaz, ele adoraria também poder usufruir da capacidade da visão. É interessante observar como as pessoas gostam de acreditar que “aquilo que os olhos não veem, o coração não sente.” Essa afirmação é de uma ingenuidade imensa. Os grandes sábios da humanidade há muito já dizem que tudo está interligado e que o bater das asas de uma borboleta afeta uma estrela do outro lado do universo. A física quântica já demonstra isso. Infelizmente, nós sofremos todas as consequências psíquicas de tudo que acontece nos matadouros e pesqueiros. Lacan e Young já formularam há um certo tempo o conceito do inconsciente coletivo, ou psicossoma planetário. Aliás, Bertrand Russel trata de ideias similares no livro “Fundamentos de Filosofia”, relatando a experiência dos macacos que aprendiam entre si, mesmo sem ter contado direto por estarem separados em ilhas distantes (veja que eu nem estou citando referências menos aceitas pela comunidade científica, mas há inúmeras, até mais profundas e concisas). Tudo que o ser humano faz ou não de bom vai para o psicossoma planetário e atua diretamente na psique humana de cada um de nós. Isso também é ciência e há diversos experimentos que buscam demonstrar esse fato. Desta forma, tudo o que acontece nos matadouros e pesqueiros acaba contaminando sua psique com culpa e medo. Não pense que você está imune somente pelo fato do animal já estar esquartejado quando você vai ao açougue, você patrocina e é responsável por isso com cada centavo que você deixa lá. Mais que isso, dinheiro é uma forma de energia, portanto, você é responsável por conspurcar essa energia cada vez que você patrocina essas práticas ingerindo seu filezinho. Isso vai voltar à sua mente e à sua vida. Muito do que vemos na sociedade em termos de degradação, corrupção e violência tem a ver com isso. Perguntemos para as pessoas se elas seriam capazes de matar um animal, ou mesmo presenciar seu assassinato em um matadouro, para depois comer sua carne e vamos ver que, hoje em dia, a maioria vai torcer o nariz e se sentir mal ou enojada. Esteja certo que essa culpa é reforçada na sua psique a cada naco de carne que você ingere, não tem jeito, é causa e efeito, uma lei absolutamente natural.

Que mundo você gostaria de viver? Um mundo pacífico? Caso afirmativo, como você contribui para essa pacificação do mundo? Voltemos ao contato psíquico com a natureza: imagine que você vive em uma floresta, o que você acha mais pacífico, uma tribo que cultiva seus alimentos na terra, ou uma tribo que caça? Imagine-se agora como sendo a caça, você tendo que fugir e se esconder para poder sobreviver. Imagine-se sendo capturado por canibais e sendo levado para ser seu jantar. Para os canibais isso é natural. Como você se sente? Imagine-se como sendo um bovino em uma fazenda, vivendo em estábulos apertados e fétidos. Imagine-se frente a frente com seu algoz. Você tem vocação para Cristo? Pois é, Cristo fez isso, se colocou como um cordeiro no matadouro. Você acha que um animal no matadouro se sente melhor do que Cristo se sentiu? Qual o lugar que você se sentiria mais feliz, em um pomar ou em um matadouro? Qual tem o melhor cheiro? Que mundo você quer para você e para seus descendentes? É disso que eu estou falando, não é de comer ou não carnes. Tudo que fazemos ressoa no universo. Nosso mundo ressoa morte, desamor, desrespeito, discriminação, etc. Não é esse mundo que eu quero para meus descendentes, então, eu faço o que posso para cumprir a minha parte, com todas as dificuldades e limitações que ela representa para mim. Especismo é sim uma discriminação tão odiosa quanto a escravidão. Representa o desprezo à vida.

Reflita sobre isso, já vai ser um grande passo.

Paz e Luz para todos!

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